GNETTA, L.R.P. Moralidade para os pequenos: dos psicotapas à sabedoria.
Revista Parceria. Instituto Educacional Parthenon, no. 14, 2o. Semestre de 2003, p. 5 e 6.
Texto: “Moralidade Para os Pequenos ...
“Moralidade para os pequenos: dos psicotapas à
sabedoria”
Luciene Regina Paulino Tognetta
Cenas cotidianas: no
supermercado, uma mãe nervosa puxa a orelha do filho, pelo escândalo que o
pequeno faz por causa de um chocolate a mais que não estava presente em suas
previsões sobre as compras. Na loja de sapatos, filhos correndo, atropelando
vendedores e a mãe: “Que vergonha, parem já de correr”. Quem nunca passou ou
assistiu cenas cotidianas como essas?
De fato, é muito comum que diante
de tantas crises, os psicotapas entrem em ação. Como
defini-los? Poderíamos definir um
psicotapa como uma junção da psicologia do desenvolvimento, descoberta, enfim,
por pais e professores nas últimas décadas e aquele tradicional “tapinha”
sugerido por uma educação tradicional advinda de nossas gerações anteriores
que parece soar para muitos de nós como uma solução viável. “Um tapinha não
dói” diriam os mais temerosos pelas considerações que faríamos a tais atos
enquanto agressões físicas. Outros ainda concluiriam exacerbadamente: “Mas
funciona!”.
Muitos fazem parte dessa seleção
de pais e professores que acreditam na força da punição, muitas vezes física,
saudosamente lamentando:“Ah, no meu tempo se respeitava pai e mãe, professor...
Ah, se não respeitasse, bastava o olhar do pai”. Acreditam ser coerente repetir
as mesmas estratégias de seus anteriores. Foi assim que aprenderam, foi levando
safanões de seus pais ou acumulando castigos e punições que se tornaram adultos
capazes de criar suas crias também.
Por outro lado, temos assistido
ultimamente as gerações de pais mais jovens chegarem a um oposto de tais atitudes:
se não se pode bater nos filhos, então é preciso apenas conversar. Qualquer
correção pode trazer um trauma psicológico!
Tais pais, em busca de uma
educação mais democrática e libertária, confundiram a punição como outras
formas de sanções necessárias ao comportamento inadequado dos filhos. Surgem
então os psicotapas, “os tapas” constituídos da junção de um tapinha,
beliscão ou puxada de orelha, todas com uma grande diferença, sutilmente, e uma
conversa de longas horas...
De certa forma, conversar com os
filhos constitui uma das maneiras pelas quais se obtém resultados
interessantes. Mas as palavras não bastam para se educar.
Quando uma criança faz birra no
supermercado, é preciso olhá-la firmemente e permitir-lhe uma escolha “Filho,
você pode escolher entre o chocolate e o outro doce tal”. Qual dos dois você
escolhe?”. É claro que os rios de lágrimas e de escândalos podem continuar e
será preciso manter a calma para poder dizer-lhe “filho, parece que você não
quer nenhum dos dois... então vamos embora”.
Quando combinamos com as crianças
que vamos comprar sapatos, por exemplo, e as crianças tendem a correr pela
loja, será preciso também lhes dar uma opção: “Viemos comprar sapatos, vocês
preferem comprá-los ou vamos embora?” Passados alguns segundos em que as
crianças se aquietam, quando voltam às mesmas brincadeiras, será preciso que se
diga “Bem, vocês fizeram a escolha! Vamos embora”. Costumeiramente, ao tomar
essa atitude, os filhos podem voltar-se ao adulto e dizer que não farão mais,
que vão, enfim, deter-se ao que era objetivo inicial. E nesse momento será
preciso dizer-lhes: “Agora não estou disposto a voltar. Vai ficar para outro
dia em que minha raiva passar”.
O que podemos concluir a respeito
das atitudes que substituirão os psicotapas?
Primeiro, que um tapa bem dado ou
não, não permite a adequação de um comportamento, porque é de caráter externo.
A criança não pensa sobre o acontecido. A ação é realizada pelos pais e, portanto,
não há legitimação da correção que o pai pretendia dar ao filho se bem
compreendermos as teses piagetianas de que a ação é começo de qualquer tomada
de consciência. Por outro lado, permitir um tapa é permitir uma forma de
violência; e o que é pior, favorecer que essa criança também tenha esse
instrumento como a única possibilidade de resolver seus problemas com seus
iguais. Filhos que apanham, legitimam seu desejo de também o fazer para
garantir aquilo que mais desejam : serem adultos, iguais aos que tanto admiram.
Segundo, quando permitimos aos
filhos que façam escolhas, estamos dando a eles a oportunidade de pensar e de
tomar decisões. As crianças não aprendem pelos castigos que são pensados pelos
adultos. As crianças aprendem a regular seus comportamentos podendo tomar
decisões.
A terceira idéia é que as
crianças precisam saber o que sentimos. O adulto equilibrado extravasa sua
raiva verbalizando ao outro o que sente e como se sente diante de um
acontecimento, seja com os filhos, seja entre seus iguais do mundo adulto.
Em quarto lugar, será preciso
“não sair do salto”. Em outras palavras, um adulto não perde a serenidade num
momento de conflito. Ele é O adulto da relação (e quantos se esquecem disso e
gritam, esperneiam como crianças!). A brevidade da fala e a firmeza no que
propõe são instrumentos que farão a criança repensar seus comportamentos.
(Vinha, 2000).
Um quinto argumento pode ser
dado: as crianças não fazem travessuras e desobediências porque são más e sim
porque há nelas a mesma regularidade de toda a espécie humana: o desejo de
satisfazer seus interesses, de se sentirem aceitas, de compreenderem-se. Quando
batem, xingam, mordem, seus iguais ou a autoridade, o fazem demonstrando não
conseguir conter uma frustração, um medo, uma insegurança, uma raiva,
sentimentos incontroláveis e por isso, expressos. Respeitamos as crianças
quando permitimos que tais sentimentos sejam manifestados. Em formas violentas?
Obviamente que não, permitimos o sentimento descrevendo-o, dando provas de como
as compreendemos, de como as amamos: “ Vejo o quanto você está irritado hoje.
Vejo que você gostaria muito de levar aquela bala...” é exemplo de uma
linguagem promissora de quem é humano também o bastante para experimentar tais
inquietitudes ao longo de suas relações com os outros.
Há uma última idéia que é preciso
ser esclarecida: não se ensina ninguém a nadar quando se está afogando. Não
adiantarão lições de moral em momentos de crise. Aliás, elas definitivamente
perdem o poder quando a Psicologia constata que uma evolução moral é fruto de
uma construção interna conseguida pela experiência vivida e sentida. (Vinha,
2000). Estamos convictos de que a moral é uma construção do sujeito, em suas
interações com o mundo que o cerca. Uma construção que depende de duas
qualidades essencialmente humanas, enquanto possibilidades de evolução: o
pensar e o sentir (Piaget, 1932).
Quando as crianças com as quais
convivemos têm a possibilidade de pensarem sobre suas ações, de
reconstituí-las, ao expressarem o que poderiam ter feito para que um
determinado comportamento inadequado não acontecesse, estamos favorecendo a
construção das estruturas de pensamento, ou seja, a razão. Por outro lado,
quando permitimos que as crianças se sintam acolhidas, pelo respeito mútuo,
pela disposição do adulto em não puni-las e sim auxiliá-las a encontrar
soluções para seus conflitos, estamos favorecendo a construção de uma
identidade capaz de autocontrolar-se (Tognetta, 2003).
Quando permitimos que as crianças
experimentem expressar o que sentem, num conflito entre pares, estamos
permitindo que se indignem, que sintam raiva. Porém, ao se indignarem,
apresentando ao outro as razões de tal indignação, estamos favorecendo que elas
possam construir para si, um gostar de si que não permita que a façam sofrer e
ao mesmo tempo, um respeitar o outro, porque lhes damos as razões para
desaprovar suas ações.
O fato de indignar-se permite que
se construa o valor do diálogo, da tolerância, do perdão, do arrependimento, da
amizade como conseqüências das ações não
violentas que podem ser impedidas quando as transformamos em expressão de
sentimentos. Queremos dizer que é preciso permitir a raiva, instigando a
criança a encontrar maneiras de expressar o que sente sem violência. Quando
perguntamos, por exemplo “como você pode fazer para mostrar a seu amigo que não
gostou de sua atitude, sem bater nele?” asseguramos a importância do sentimento
e permitimos que um valor seja construído.
Contudo, o contrário, ao
assumirmos uma postura, como “pais democráticos” que tudo permitem e pouco
proíbem, favorecemos a construção de uma imagem positiva de si pela criança de
que “ela tudo pode” e de fato, os resultados serão tão ruins quanto à exposição
da criança às punições e castigos. Primeiramente, a criança não sentirá o “Medo
da perda do amor dos pais” quando não agir bem já que demonstramos atribuir
pouca importância a seus comportamentos inadequados. Por outro lado, essa mesma
criança estará formando uma imagem de si baseada em outros valores que não
aqueles de solidariedade, de respeito, de justiça e poderá envergonhar-se
apenas quando não se mostrar a mais forte, a mais ágil, a mais bem sucedida. (De La
Taille, 1998)
Enfim, a educação dos filhos não
é definitivamente tarefa de qualquer um. É tarefa de quem entende de
desenvolvimento humano e de quem está disposto a enxergar uma nova forma de educar
para a felicidade dos filhos.
Quanto aos professores,
permanecem as mesmas lições. E ainda outras que acabam sendo também tarefas
desse profissional que hoje ocupa o lugar de muitos pais na sociedade moderna
em que vivemos.
Lições de que será preciso
compreender a evolução moral e afetiva de seus alunos, compreender como pensam,
como sentem, para desmistificar as práticas pedagógicas que precisam, mais do
que nunca, formar as tais pessoas autônomas que tanto objetivam em seus planos,
que possam sair de seu egocentrismo e pensar um pouco mais no outro, seu igual
bem como pensarem em si mesmos para poderem buscar a excelência, a felicidade.
Referências bibliográficas:
DE LA TAILLE, Yves.Limites: três
dimensões educacionais. São Paulo: Ática, 1998.
PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus,
1932/1994.
TOGNETTA, Luciene Regina P. A construção da solidariedade e
a educação do sentimento na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2003
VINHA, Telma P. O educador e a moralidade infantil. Campinas:
FAPESP?Mercado de Letras, 2000.
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